Por Rubens Faria

Entre os dias 14 e 24 de abril de 1940, povos originários de toda América (com exceção do Paraguai, Haiti e Canadá) se reuniram no México para participar do Congresso Indigenista Interamericano. Em princípio, os representantes indígenas haviam se negado a participar do evento por falta de representação ou vez nas reuniões, comandadas até então por líderes políticos dos países participantes. No dia 19, porém, os índios tomaram o congresso para fazer parte das discussões.

O fim do Congresso foi marcado com medidas a serem tomadas em favor da defesa dos povos originários. Entre elas, estavam o “respeito à igualdade de direitos e oportunidades para todos os grupos da população da América”, “respeito por valores positivos de sua identidade histórica e cultural a fim de melhorar situação econômica”, “adoção do indigenismo como política de Estado”, e, por último, estabelecer “o Dia do Aborígene Americano em 19 de abril”.

Essas medidas podem parecer genéricas, mas tiveram resultado importante para as sociedades originárias do Brasil. Com o reconhecimento da sua importância cultural, as populações tiveram um crescimento nas últimas décadas, não apenas pelo salto demográfico, mas por muitas pessoas assumirem sua condição discriminada desde então, conforme relata a antropóloga Manuela Cunha.

“(…) Muitos grupos, em áreas de colonização antiga, após terem ocultado sua condição discriminada de indígenas durante décadas, reivindicam novamente sua identidade étnica.”

Mesmo com o crescimento populacional e a valorização de sua identidade, o conhecimento dos povos originários brasileiros ainda é escasso, principalmente no que tange às leituras comportamentais e psicológicas – essas últimas tem incidido, sobretudo, no alcoolismo, suicídio em alguns grupos e estudos sobre crianças e adolescentes. O conhecimento sobre envelhecimento ainda volta-se, principalmente, para a urbe, quando muito para o campo.

Para o ocidente, o envelhecimento é um fenômeno multifatorial, mas sua representação é culturalmente determinada. Biologicamente, o corpo começa a envelhecer aos 30 anos com o enfraquecimento da musculatura, a fragilização dos ossos, o endurecimento das articulações e a diminuição da produção de colágeno. Independente disso, a sociedade ocidental não entende que uma pessoa de 30 anos é idosa. Por isso é importante explorar o papel da pessoa mais velha numa perspetiva transcultural. Falar sobre pessoas e o envelhecimento requer, além da leitura biológica, uma leitura educacional. 

A nação Guarani e sua relação com a pessoa idosa

0,4% da população brasileira é indígena. De acordo com a Funai, a etnia mais representativa entre essa população é a nação Guarani, abrangendo territórios da Bolívia, Paraguai, Argentina, Uruguai e o centro-meridional do Brasil. É chamada de nação, pois sua população é dividida em subgrupos: Nhandéva, Mbyá e Kaiowá. Cada um tem especificidades linguísticas, culturais e cosmológicas, mas, assim como outras etnias, os Guarani têm princípios de direitos coletivos, organizações sociais complexas e tradicionais.

Entre os Guarani-Mbyá os mais velhos representam o passado da etnia, ao passo que se estabelecem como o vínculo entre a história e os mais jovens. Para essa população, os 40 anos já representam a chegada da velhice, uma vez que a pessoa terá acumulado suficiente conhecimento para aconselhar e orientar outros membros da comunidade, diferentemente da cultura ocidental, a qual rotula a velhice, em sua maioria, com base nos aspectos fisiológicos acima dos 60 ou 65 anos.

Fica clara a associação dos Guarani-Mbyá entre maturidade e velhice, pois assume que a pessoa mais velha tem um status de sabedoria, de mantenedora das tradições (transmitem o idioma, costumes, valores, religião e memória). Às pessoas idosas Guarani-Mbyá, é reservada a importante tarefa de ensinar e, por isso, sua função de construtor do conhecimento é bastante presente. Mais uma vez diferente da cultura ocidental, na qual os construtores do conhecimento são os mais jovens e os sábios são mais reconhecidos quanto mais se aproximam das novas tecnologias.

Para os Guarani-Mbyá, o papel das pessoas mais velhas está associado à tradição, sendo eles os mais respeitados na comunidade por conta de inspirarem condutas de vida nos mais jovens. A tradição dos Guarani-Mbyá é também o alicerce cultural da aldeia, pois é a guardiã do conhecimento transmitido, até agora, oralmente. Isso reflete na autoridade da pessoa idosa, fonte de sabedoria, que aumenta à medida que a idade avança, por isso pode aconselhar as pessoas e a aldeia. Isso está atrelado à importância de conhecer o passado, pois amplia o conhecimento sobre a cultura e permite que nunca seja esquecido pelo tempo.

Para o ocidente, conhecer ou não o passado se tornou uma questão de escolha graças ao advento da internet. Por outro lado, o crescente número de publicações falsas na rede torna ainda mais precioso o conhecimento acadêmico, com base em evidências e fontes confiáveis, e a tradição oral pode não fazer tanto sentido no contexto mais amplo de sociedade.

Por fim, nota-se uma expectativa depositada na pessoa idosa quanto à preservação e continuidade do “ser Guarani-Mbyá”, uma vez que a representação dos mais velhos esteja associada ao desejo e à preocupação de preservar o lugar e a família, manter os costumes, seus rituais e crenças, transmitindo-os pela educação, bem como a resguardar a identidade individual e comunitária. E nessa perseverança, os mais velhos têm garantido seu papel.

Fonte: A vivência dos mais velhos em uma comunidade indígena Guarani-Mbyá (MARQUES, Filipa Daniela et al., de 2015)

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